A sentença pode comportar capítulos distintos e estanques,
na medida em que, à cada parte do petitum
se atribui capítulo correspondente na decisão. Cuida-se de tema dos mais
tormentosos na ciência processual. "À primeira vista bastante simples e
até intuitiva", lembra Cândido Dinamarco, "é no entanto de grande
complexidade a doutrina dos capítulos da sentença" ("Capítulos da
sentença", Malheiros, 2002, cap. 1, nº 2).
Sobre a matéria, José Afonso da Silva doutrina:
“[...]. O objeto da demanda é fundamental para chegar-se à
identificação dos capítulos da sentença, em cada caso concreto, assim também de
interesse prático suscitadas na demanda, porque correlacionadas com aquele. O certo é que cada título em que se
fundamenta o pedido (daí, certa concessão à tese de Carnelutti) dá margem ao
aparecimento de um capítulo da sentença, ao decidir positiva ou negativamente o
pedido assim titulado” (Do recurso adesivo no processo civil
brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., Cap. III, § 3º, p. 128).
No mesmo sentido, o magistério do saudoso e respeitado José
Frederico Marques:
“A apelação parcial pressupõe um litígio capaz de ser
fragmentado e cindido em várias questões distintas. Ou então o simultaneus processus com cumulação
objetiva de pedidos. Como lembra José Alberto dos Reis, há um conhecido
aforismo que diz o seguinte: 'quo capita
tot sententiae'. E a idéia que ele contém assim se explica: 'quantos os
capítulos, tantas as sentenças; por outras palavras, numa sentença há tantas
decisões distintas, quantos forem os capítulos que ela contiver'. [...]. Capítulos da sentença são, portanto,
aquelas questões que as partes submeteram ao juiz (de que fala o art. 458, III,
do Código de Processo Civil) e que a sentença soluciona. É, enfim, toda
a questão oriunda do litígio e que, decidida na sentença, possa causar gravame
a uma das partes, ou a ambos os litigantes” (Instituições de Direito Processual
Civil, atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, Vol. IV, 1º ed. atualizada,
2000, n. 946, p. 140).
Outrossim, quanto à possibilidade de impugnação, mediante
recurso, de parte da decisão que se pretende ver reformada, Sérgio Bermudes,
por todos, escreve:
“Quanto à extensão, os recursos classificam-se em totais e
parciais, conforme se insurjam contra a decisão por inteiro, ou, apenas, contra
um, ou vários pontos dela. A extensão do recurso se mede pela extensão do
gravame. O vencido pode recorrer da decisão em totalidade, se ela lhe foi
integralmente contrária. Entretanto, se deixou de acolher apenas em parte o seu
pedido, seu recurso não pode compreender mais que essa parte desfavorável.
Assim, o recurso poderá ser total, se a decisão foi inteiramente contrária ao
recorrente (poderá porque nada impede
que o vencido se conforme com uma, ou mais partes). E será, necessariamente parcial, se
somente em parte a decisão for desfavorável a quem recorre”
(Comentários ao código de processo civil, Vol. VII - arts. 496 a 565, 2ª ed.
Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1977, n. 68, p. 94).
A sentença, quando dividida em capítulos, para cada
capítulo é adotada fundamentação específica, o fundamento adotado para cada um
dos pedidos é independente e autônomo. Uma vez limitado o recurso contra apenas
parte da sentença, não pode o tribunal, como cediço, adentrar no exame das
questões que não foram objeto de impugnação. A propósito, o REsp 260.887-MT, DJ
7.5.2001, assim ementado, no que interessa:
“I - A extensão do pedido devolutivo se mede através da
impugnação feita pela parte nas razões do recurso, consoante enuncia o brocardo
latino tantum devolutum quantum
appellatum. II - A apelação transfere ao conhecimento do tribunal a matéria
impugnada, nos limites dessa impugnação, salvo matérias examináveis de ofício
pelo juiz”.
Destarte, a sentença pode ser dividida em capítulos, o
julgador deve adstringir-se ao pedido, salvo nos casos autorizados em lei (CPC,
art. 267, § 3º) e a impugnação de apenas parte da sentença impede ao tribunal
que examine as demais questões não atacadas.
Neste sentido, cite-se o julgado do Superior Tribunal de
Justiça que apresenta de maneira simples e objetiva a questão:
PROCESSO CIVIL. SENTENÇA. DIVISÃO EM CAPÍTULOS.
POSSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO PARCIAL. PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM.
TRÂNSITO EM JULGADO DOS DEMAIS CAPÍTULOS, NÃO IMPUGNADOS. NULIDADE. JULGAMENTO
EXTRA PETITA. FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS E INDEPENDENTES.
ANULAÇÃO PARCIAL. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.
I - A sentença
pode ser dividida em capítulos distintos e estanques, na medida em que, à cada
parte do pedido inicial, atribui-se um capítulo correspondente na decisão.
II - Limitado o recurso contra parte da sentença, não pode
o tribunal adentrar no exame das questões que não foram objeto de impugnação,
sob pena de violação do princípio tantum
devolutum quantum appellatum.
III - No caso, a sentença foi dividida em capítulos, e para
cada um foi adotada fundamentação específica, autônoma e independente.
Assim, a nulidade da sentença, por julgamento extra petita,
deve ser apenas parcial, limitada à parte contaminada, mormente porque tal
vício não guarda, e nem interfere, na rejeição das demais postulações, que não
foram objeto de recurso pela parte interessada (a autora desistiu de seu
recurso).
IV - Outra seria a situação, a meu ver, se a sentença
tivesse adotado fundamento único, para todos os pedidos. Nesse caso, o vício
teria o condão de contaminar o ato como um todo.
(REsp 203132/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2003, DJ 28/04/2003, p. 202)
Admissível, portanto, o entendimento de divisão da sentença
em capítulos. Sendo possível, da mesma forma, o trânsito em julgado dos
capítulos que não foram atacados, cabendo à estes o cumprimento de sentença,
por se tratar de título executivo judicial, líquido, certo e exigível, conforme
art. 475-N.