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quarta-feira, 25 de julho de 2018

É PROIBIDO COBRANÇA DE MULTA ABUSIVA EM QUEBRA DE CONTRATO COM CLÁUSULA DE FIDELIDADE.


O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, proíbe a cobrança de multa abusiva (desproporcional ou exagerada) pelo ato de cancelamento de contrato. Por força do art. 51, inciso IV, do CDC, são nulas as cláusulas que estabelecem obrigações parciais e abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatível com a boa-fé e equidade. Eis o texto da lei:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Importante registrar que a cláusula de fidelidade em contrato é legítima, na medida em que o contratado disponibiliza benefícios ao contratante, cujo investimento despendido necessita de um retorno mínimo em relação aos gastos, o que é protegido pela cláusula. Contudo, é possível encontrar situações em que a cláusula de fidelidade vai muito além do seu objetivo de assegurar o retorno mínimo do investimento realizado, estipulando multas por cancelamento em valores exorbitantes, o que coloca o fornecedor em vantagem exagerada, caracterizando conduta iníqua, incompatível com a equidade, consoante disposto no § 1º e inciso IV do artigo 51 do código consumerista.

Assim, ao passo em que é lícita e legítima a cláusula de fidelidade, esta passar a ser ilícita no momento em que estipula valores exagerados pelo cancelamento do contrato.

Uma vez identificado que a cláusula estipula quantia rescisória que vai além do escopo principal inerente à cláusula de fidelidade, o necessário ressarcimento dos investimentos financeiros realizados por uma das partes para a celebração ou execução do contrato (parágrafo único do artigo 473 do Código Civil), mister se faz o ajuste da relação jurídica com a anulação da cláusula abusiva, por ser nula de pleno direito em razão de colocar o consumidor em desvantagem exagerada, conforme verificado nas normas de proteção ao consumidor.

Nada obstante, em que pese ser elemento oriundo de convenção entre os contratantes, a fixação da cláusula penal não pode estar indistintamente ao alvedrio destes, já que o ordenamento jurídico prevê normas imperativas e cogentes, que possuem a finalidade de resguardar a parte mais fraca do contrato, como é o caso do artigo 412 do Código Civil ("O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.")

A citada preocupação reverbera, com maior intensidade em se tratando de contrato de adesão, o que motivou a ANATEL a expedir a Resolução 632/2014 a fim de regular a forma de cálculo da multa a ser cobrada em caso de resilição antecipada dos contratos com fidelização.

Nesse panorama, sobressai o direito básico do consumidor à proteção contra práticas e cláusulas abusivas, que consubstanciem prestações desproporcionais, cuja adequação deve ser realizada pelo Judiciário, a fim de garantir o equilíbrio contratual entre as partes, afastando-se o ônus excessivo e o enriquecimento sem causa porventura detectado (artigos 6º, incisos IV e V, e 51, § 2º, do CDC), providência concretizadora do princípio constitucional de defesa do consumidor, sem olvidar, contudo, o princípio da conservação dos contratos.

Isso porque a cobrança em cobrança integral da multa, sem computar o prazo de carência parcialmente cumprido pelo consumidor, coloca o fornecedor em vantagem exagerada, caracterizando conduta iníqua, incompatível com a equidade, consoante disposto no § 1º e inciso IV do artigo 51 do código consumerista.

Nesse panorama, sobressai o direito básico do consumidor à proteção contra práticas e cláusulas abusivas, que consubstanciem prestações desproporcionais, cuja adequação deve ser realizada pelo Judiciário, a fim de garantir o equilíbrio contratual entre as partes, afastando-se o ônus excessivo e o enriquecimento sem causa porventura detectado (artigos 6º, incisos IV e V, e 51, § 2º, do CDC), providência concretizadora do princípio constitucional de defesa do consumidor, sem olvidar, contudo, o princípio da conservação dos contratos.

Assim, infere-se que o custo arcado pelo prestador do serviço é, efetivamente, recuperado a cada mês da manutenção do vínculo contratual com o tomador, não sendo razoável a cobrança da mesma multa àquele que incorre na quebra do pacto no início do prazo de carência e àquele que, no meio ou ao final, demonstra o seu desinteresse no serviço prestado.

Como é cediço no âmbito do direito consumerista, a alegação de boa-fé (culpa) do causador do dano não configura óbice à ampla reparação do consumidor, mas apenas afasta a sanção de repetição em dobro prevista no parágrafo único do artigo 42 do CDC, nos termos da jurisprudência consagrada pelas Turmas de Direito Privado.

A jurisprudência do STJ, inclusive, corrobora no mesmo sentido, vide REsp 1362084/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 01/08/2017.


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

QUESTÕES DE DIREITO EMPRESARIAL

A respeito das sociedades limitadas, assinale a alternativa correta.

a) A sociedade limitada, nas omissões das normas estabelecidas pelo Código Civil, será regida pela Lei 6.404/1976.
b) A cessão de quotas de um quotista de uma sociedade limitada para outro quotista da mesma sociedade dependerá de prévia autorização estatutária.
c) A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.
d) Não dependerá de deliberação dos quotistas a nomeação ou a destituição dos administradores.

Há mais de dez anos, Jorge e Matias, ambos juridicamente plenamente capazes, constituíram sociedade limitada para desenvolver o comércio de carnes em Petrópolis. Apesar de eles terem elaborado contrato de sociedade por escrito, tal contrato nunca foi levado a registro na Junta Comercial competente. Considerando as informações acima, é correto afirmar que:

a) a sociedade não tem personalidade jurídica, mas os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum.
b) a sociedade é inexistente.
c) a sociedade é ineficaz, tanto para Jorge e Matias quanto para terceiros.
d) a sociedade é nula de pleno direito.
e) a sociedade existe, é válida e possui personalidade jurídica.

Em qual prazo um suposto prejudicado pode promover a invalidação judicial da reorganização societária de uma sociedade empresarial?

a) Em regra prazo algum, afinal somente um credor pode pedir revisão do instituto da revisão empresarial;
b) 60 dias contados da data da publicação em diário oficial da suposta irregularidade;
c) 90 dias contados da data da publicação em jornal de grande circulação de alguma reorganização societária;
d) 30 dias contados da data da publicação da transformação societária.

Com relação à desconsideração da personalidade jurídica, assinale a alternativa correta.

a) Implica a extinção da pessoa jurídica.
b) Constitui uma construção jurisprudencial que nunca encontrou positivação na legislação nacional.
c) Implica que obrigações da sociedade sejam estendidas aos bens particulares dos administradores e sócios e está prevista apenas no Código Civil.
d) Implica que obrigações da sociedade sejam estendidas aos bens particulares dos administradores e sócios e está prevista, no sistema jurídico brasileiro, apenas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.
e) Implica que obrigações da sociedade sejam estendidas aos bens particulares dos administradores e sócios e está prevista, no sistema jurídico brasileiro, no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor e na Lei 8.884/94 (Lei de Defesa da Concorrência).

A operação mercantil em que uma empresa através de Assembleia decide transferir 80% de seu patrimônio para outra empresa recém-criada pelos acionistas fundadores é:

a) Fusão;
b) Cisão Total;
c) Incorporação;
d) Cisão Parcial;
e) Transformação.

Na sistemática do Código Civil de 2002, a aplicação da Lei das Sociedades por Ações às sociedades limitadas é:

a) automática, tendo em vista a disposição expressa do Código Civil a esse respeito.
b) subsidiária em relação às normas de sociedade simples.
c) dependente de disposição contratual expressa nesse sentido e da contratualidade da matéria.
d) condicionada ao caráter institucional da sociedade.

Nos termos da legislação vigente, a deliberação dos sócios de uma sociedade limitada que implique modificação de seu contrato social dependerá de votos representativos de, no mínimo,

a) 2/3 (dois terços) dos votos dos sócios presentes à reunião ou assembleia.
b) 1/2 (metade) do capital social.
c) 1/2 (metade) dos votos dos sócios presentes à reunião ou assembleia.
d) 3/4 (três quartos) do capital social.
e) 3/4 (três quartos) dos votos dos sócios presentes à reunião ou assembleia.

Considerando os vários tipos de sociedades descritos no Código Civil e com base na teoria geral do direito empresarial, assinale a opção correta.

a) As cooperativas, independentemente do objeto social, são sempre sociedades simples.
b) A sociedade anônima pode adotar a forma simples, desde que o seu objeto social compreenda atividades tipicamente civis.
c) A sociedade simples não possui personalidade jurídica, sendo desnecessária a inscrição de seu contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede.
d) Na sociedade em comum, todos os sócios respondem limitadamente pelas obrigações da sociedade; assim, todos os sócios podem valer-se do benefício de ordem a que os sócios da sociedade simples fazem jus.

Qual sociedade empresarial é caracterizada pela unipessoalidade? Como é constituída tal sociedade?

Empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI). Ela é constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não poderá ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. O titular não responderá com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa.

Em que consiste a prática de dumping e qual princípio de direito empresarial ela afronta?

De acordo com Fábio Ulhoa Coelho, a prática comercial conhecida por dumping corresponde “a venda de mercadorias em país onde não são produzidas, por preço inferior àquele praticado no país onde são produzidas”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Direito Antitruste Brasileiro: comentários à Lei nº 8884/94. São Paulo: Saraiva, 1995, 171p.)

Tal prática afronta o princípio da livre concorrência, insculpido no art. 170, IV, este decorrente do princípio da livre iniciativa. A prática de dumping proporciona prejuízos consideráveis à livre concorrência devido a discriminação internacional de preços.




domingo, 11 de outubro de 2015

A NOTA FISCAL NÃO É OBRIGATÓRIA PARA COMPROVAR RELAÇÃO DE CONSUMO.

Os fornecedores são obrigados a emitir nota fiscal e recusá-la é crime (Lei n.º 4.729/1965 - crime de sonegação fiscal).

Em certos casos o fornecedor recusa-se a emitir a nota por variados motivos, desde querer fugir de impostos a negar a prestação do serviço ou do bem de consumo. O fornecedor pode entender, inclusive, ser um meio de impor óbice ao consumidor para conseguir seus direitos. No entanto, a falta da nota fiscal não descaracteriza a relação de consumo, uma vez que esta não se confunde com a relação tributária entre comerciantes e o Fisco

Em se tratando de matéria de Direito do Consumidor, a nota fiscal não é obrigatória para caracterizar a relação de consumo. Haja vista que entende-se por relação de consumo toda relação jurídico-obrigacional que liga um consumidor a um fornecedor, tendo como objeto o fornecimento de um produto ou da prestação de um serviço.

Ou seja, para o consumidor a apresentação da nota fiscal não é o único meio para demonstrar que houve a relação de consumo no intuito de ver resguardados seus direitos estampados no CDC - Código de Defesa do Consumidor[1]. Existem vários outros meios para se comprovar que o consumidor adquiriu um produto ou contratou um serviço e que os mesmos foram entregues ou realizados.

No caso de produtos, bens móveis, a propriedade deste se transfere pela simples tradição. Onde a tradição corresponde à entrega da coisa do alienante ao adquirente, com a finalidade de lhe transferir o domínio, em conclusão do contrato.

De acordo com o art. 1.267 do Código Civil[2], “a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição”. Sendo assim, a tradição mostra-se de suma importância na aquisição de bens móveis.

Mestre em Direito do consumidor, Estêvão Zizzi[3] ensina que “uma vez realizada a entrega efetiva do produto ao consumidor e comprovado o pagamento por transferência bancária ou outro meio, o consumidor é considerado dono do produto e pode exercer os seus direitos perante o fornecedor. Por outro lado, a nota fiscal, como o próprio nome diz, é obrigatória para o Fisco (o Estado que arrecada os impostos), mas não é documento imprescindível para provar a relação de consumo”.

Assim, no caso de solicitação de troca de mercadoria ou envio à assistência técnica para conserto, quando se tratar de caso de produto em garantia, não pode ser impedida pelos fornecedores pela simples alegação do consumidor não dispor da nota fiscal, desde que a aquisição do produto seja comprovada por outros meios como: recibo, comprovante de pagamento do cartão, fatura do cartão de crédito, extrato bancário, certificado de garantia preenchido pela loja, tíquetes, etiquetas, código de barras e testemunhas.

A recusa do fornecedor a fornecer a emitir ou fornecer a nota fiscal fere, inclusive, o princípio da boa-fé objetiva que rege as relações de consumo. Exigir a apresentação do documento em debate para se fazer valer os direitos do consumidor apenas estenderia os abusos já iniciados com a prática da recusa da emissão.

Portanto, a nota fiscal não é indispensável e muito menos é a única prova cabal de aquisição legal de um produto para buscar-se os direitos estatuídos pelo CDC.




[1] LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990.
[2] LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.
[3] (ZIZZI, Estêvão. Direitos do consumidor sem nota fiscal. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3909, 15 mar. 2014. Disponível em: . Acesso em: 11 out. 2015.)

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O QUE É: IN RE IPSA?

In re ipsa é um termo jurídico utilizado para dano presumido, que independe de comprovação.

É comum encontrar o referido termo associado à ideia do dano moral. No caso do dano in re ipsa, não é necessária a apresentação de provas que demonstrem a ofensa moral da pessoa. O próprio fato já configura o dano. Uma das hipóteses é o dano provocado pela inserção de nome de forma indevida em cadastro de inadimplentes[1].




[1] No STJ, é consolidado o entendimento de que “a própria inclusão ou manutenção equivocada configura o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos” (Ag 1.379.761).






CAPÍTULOS DA SENTENÇA - A DIVISÃO DA SENTENÇA EM CAPÍTULOS

A sentença pode comportar capítulos distintos e estanques, na medida em que, à cada parte do petitum se atribui capítulo correspondente na decisão. Cuida-se de tema dos mais tormentosos na ciência processual. "À primeira vista bastante simples e até intuitiva", lembra Cândido Dinamarco, "é no entanto de grande complexidade a doutrina dos capítulos da sentença" ("Capítulos da sentença", Malheiros, 2002, cap. 1, nº 2).

Sobre a matéria, José Afonso da Silva doutrina:

“[...]. O objeto da demanda é fundamental para chegar-se à identificação dos capítulos da sentença, em cada caso concreto, assim também de interesse prático suscitadas na demanda, porque correlacionadas com aquele. O certo é que cada título em que se fundamenta o pedido (daí, certa concessão à tese de Carnelutti) dá margem ao aparecimento de um capítulo da sentença, ao decidir positiva ou negativamente o pedido assim titulado” (Do recurso adesivo no processo civil brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., Cap. III, § 3º, p. 128).

No mesmo sentido, o magistério do saudoso e respeitado José Frederico Marques:

“A apelação parcial pressupõe um litígio capaz de ser fragmentado e cindido em várias questões distintas. Ou então o simultaneus processus com cumulação objetiva de pedidos. Como lembra José Alberto dos Reis, há um conhecido aforismo que diz o seguinte: 'quo capita tot sententiae'. E a idéia que ele contém assim se explica: 'quantos os capítulos, tantas as sentenças; por outras palavras, numa sentença há tantas decisões distintas, quantos forem os capítulos que ela contiver'. [...]. Capítulos da sentença são, portanto, aquelas questões que as partes submeteram ao juiz (de que fala o art. 458, III, do Código de Processo Civil) e que a sentença soluciona. É, enfim, toda a questão oriunda do litígio e que, decidida na sentença, possa causar gravame a uma das partes, ou a ambos os litigantes” (Instituições de Direito Processual Civil, atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, Vol. IV, 1º ed. atualizada, 2000, n. 946, p. 140).

Outrossim, quanto à possibilidade de impugnação, mediante recurso, de parte da decisão que se pretende ver reformada, Sérgio Bermudes, por todos, escreve:

“Quanto à extensão, os recursos classificam-se em totais e parciais, conforme se insurjam contra a decisão por inteiro, ou, apenas, contra um, ou vários pontos dela. A extensão do recurso se mede pela extensão do gravame. O vencido pode recorrer da decisão em totalidade, se ela lhe foi integralmente contrária. Entretanto, se deixou de acolher apenas em parte o seu pedido, seu recurso não pode compreender mais que essa parte desfavorável. Assim, o recurso poderá ser total, se a decisão foi inteiramente contrária ao recorrente (poderá porque nada impede que o vencido se conforme com uma, ou mais partes). E será, necessariamente parcial, se somente em parte a decisão for desfavorável a quem recorre” (Comentários ao código de processo civil, Vol. VII - arts. 496 a 565, 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1977, n. 68, p. 94).

A sentença, quando dividida em capítulos, para cada capítulo é adotada fundamentação específica, o fundamento adotado para cada um dos pedidos é independente e autônomo. Uma vez limitado o recurso contra apenas parte da sentença, não pode o tribunal, como cediço, adentrar no exame das questões que não foram objeto de impugnação. A propósito, o REsp 260.887-MT, DJ 7.5.2001, assim ementado, no que interessa:

“I - A extensão do pedido devolutivo se mede através da impugnação feita pela parte nas razões do recurso, consoante enuncia o brocardo latino tantum devolutum quantum appellatum. II - A apelação transfere ao conhecimento do tribunal a matéria impugnada, nos limites dessa impugnação, salvo matérias examináveis de ofício pelo juiz”.

Destarte, a sentença pode ser dividida em capítulos, o julgador deve adstringir-se ao pedido, salvo nos casos autorizados em lei (CPC, art. 267, § 3º) e a impugnação de apenas parte da sentença impede ao tribunal que examine as demais questões não atacadas.

Neste sentido, cite-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça que apresenta de maneira simples e objetiva a questão:

PROCESSO CIVIL. SENTENÇA. DIVISÃO EM CAPÍTULOS. POSSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO PARCIAL. PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM. TRÂNSITO EM JULGADO DOS DEMAIS CAPÍTULOS, NÃO IMPUGNADOS. NULIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS E INDEPENDENTES.
ANULAÇÃO PARCIAL. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.
I - A sentença pode ser dividida em capítulos distintos e estanques, na medida em que, à cada parte do pedido inicial, atribui-se um capítulo correspondente na decisão.
II - Limitado o recurso contra parte da sentença, não pode o tribunal adentrar no exame das questões que não foram objeto de impugnação, sob pena de violação do princípio tantum devolutum quantum appellatum.
III - No caso, a sentença foi dividida em capítulos, e para cada um foi adotada fundamentação específica, autônoma e independente.
Assim, a nulidade da sentença, por julgamento extra petita, deve ser apenas parcial, limitada à parte contaminada, mormente porque tal vício não guarda, e nem interfere, na rejeição das demais postulações, que não foram objeto de recurso pela parte interessada (a autora desistiu de seu recurso).
IV - Outra seria a situação, a meu ver, se a sentença tivesse adotado fundamento único, para todos os pedidos. Nesse caso, o vício teria o condão de contaminar o ato como um todo.
(REsp 203132/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2003, DJ 28/04/2003, p. 202)


Admissível, portanto, o entendimento de divisão da sentença em capítulos. Sendo possível, da mesma forma, o trânsito em julgado dos capítulos que não foram atacados, cabendo à estes o cumprimento de sentença, por se tratar de título executivo judicial, líquido, certo e exigível, conforme art. 475-N.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE

A ação de imissão de posse é entendida enquanto meio processual posto à disposição do adquirente de imóvel que, após o averbamento da escritura no Registro Imobiliário, com a translação do direito de propriedade, depara-se com a renitência do alienante ou de terceiros no ato de entregar-lhe o imóvel. Trata-se de ação cuja natureza é petitória, bastando a apresentação de título idôneo à transferência do domínio, sendo irrelevante o exercício de posse direta prévia por parte do adquirente ou do vendedor.

Conquanto o atual Código de Processo Civil não tenha expressamente regulado a ação imissão de posse, sua viabilidade restou garantida pelo Código Civil de 2002, que em seus arts. 1.204 e 1.228 preconizam:

"Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade".
"Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha".


Além disso, o direito do proprietário em utilizar esta espécie de ação petitória para obter a posse do imóvel adquirido é corolário lógico do direito de ação, garantido constitucionalmente pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

RECURSOS - TEORIA GERAL DOS RECURSOS

Teoria geral dos recursos:

Os recursos vão buscar seus fundamentos na necessidade psicológica, ínsita ao homem, de não se conformar perante uma única decisão. E ele incapaz, em regra, de se submeter à imposição de outrem, quando esta lhe pode trazer, de uma ou outra forma, algum gravame ou prejuízo. Além disso, a precariedade dos conhecimentos dos seres humanos pode causar um erro de julgamento e o confiar-se o poder de decidir a apenas uma pessoa possibilita o arbítrio.

Por isso, os recursos foram sempre admitidos na história do Direito, em todas as épocas e em todos os povos. O sentido de sua existência é possibilitar o reexame das decisões proferidas no processo. A palavra recurso, aliás, deriva do latim - recursus, us - que significa retrocesso, do verbo recurro, ere - de voltar, retornar, retroceder. Seus fundamentos são, portanto, a necessidade psicológica do vencido, a falibilidade humana do julgador e as razões históricas do próprio Direito.

a.  Conceito

Recurso é o remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna[1].

O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado, o qual deve demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial, e pelo Ministério Público, no processo em que é parte ou naquele em que oficiou como fiscal da lei. O prazo para interposição do recurso começa a contar da data da leitura da sentença em audiência; da data da intimação às partes quando a audiência não for proferida em audiência; ou da publicação da sentença ou do dispositivo do acórdão no órgão oficial.

b.  Pronunciamentos judiciais sujeitos a recurso

Nos termos do artigo 162, do CPC, os atos do juiz consistirão em sentença, decisões interlocutórias e despachos. Desses pronunciamentos judiciais, são sujeitos a recurso apenas as sentenças e as decisões interlocutórias. Dos despachos não cabe recurso[2].

c.  Classificação dos recursos

A classificação dos recursos é de acordo com o seu objetivo. Assim, o recurso pode visar a reforma da decisão, no intuito de obter a modificação da decisão; pode visar a invalidação da decisão, com o objetivo de anulá-la para que outra decisão seja proferida em seu lugar; e, por fim, pode visar apenas o esclarecimento ou complementação da decisão, no caso de decisões omissas, obscuras ou contraditórias.

d.  Juízo de mérito e juízo de admissibilidade

Ao interpor o recurso, serão analisados os pressupostos de admissibilidade, o que a princípio é feito pelo juízo “ad quem”, porém a lei também poderá autorizar a análise da admissibilidade pelo juízo “a quo”.

O juízo de admissibilidade irá analisar se foram preenchidos todos os requisitos para admissão do recurso, quais sejam, cabimento do recurso, tempestividade, preparo, e regularidade formal, além de eventuais requisitos próprios dos recursos para os tribunais superiores, que serão oportunamente analisados.

Ausente algum dos requisitos, o recurso não será admitido. Presentes os requisitos, o recurso será admitido, e só então seguirá para o juízo de mérito, em que serão analisadas as questões de mérito que ocasionarão o provimento ou não provimento do recurso.

e.  Princípios recursais

São princípios recursais: o duplo grau de jurisdição, a taxatividade, a singularidade ou unirrecorribilidade, a fungibilidade e a vedação da “reformatio in pejus”.

Pelo PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, as decisões judiciais podem ser submetidas à um reexame pelo poder judiciário, por impulso das partes.

O PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE está relacionado ao rol taxativo de recursos admitidos no ordenamento processual. Nos termos do artigo 496, do Código de Processo Civil, são cabíveis os seguintes recursos: apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário e embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.

Já o PRINCÍPIO DA SINGULARIDADE ou UNIRRECORRIBILIDADE se verifica em razão de caber somente um recurso para cada decisão judicial.

A PROIBIÇÃO DA “REFORMATIO IN PEJUS” significa que a parte, ao recorrer, não poderá ter sua situação piorada em decorrência da interposição de seu próprio recurso.

A proibição da “reformatio in pejus” enquadra-se ao Princípio do efeito devolutivo ou princípio da defesa da coisa julgada parcial. Impede que a situação do recorrente piore em razão de seu próprio recurso, sendo que a decisão:

- Extrapola o âmbito da devolutividade definido com a interposição do recurso;
- Ou reforma sem ter havido recurso da parte contrária.

Matérias de ordem pública, entretanto, por serem conhecidas a qualquer momento do processo, podem, uma vez reconhecidas pelo Tribunal, prejudicar o recorrente. Em caso de sucumbência recíproca e recurso total de ambas as partes, não há que se falar em reformatio in pejus.

Por fim, o PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE está diretamente relacionado ao princípio da instrumentalidade das formas, e em decorrência desse princípio o juiz pode aceitar a interposição de um recurso em lugar de outro, desde que não se trate de erro grosseiro e sim de dúvida gerada por divergência jurisprudencial e/ou doutrinária acerca do assunto.

f.    Efeitos dos recursos.

Ao recurso poderá ser atribuído efeito suspensivo, translativo, expansivo ou substitutivo, além do EFEITO DEVOLUTIVO, que é aquele que devolve a análise da matéria ao tribunal e está presente em todos os recursos.

O EFEITO SUSPENSIVO, como o próprio nome indica, é aquele que suspende os efeitos da decisão. Já o efeito translativo é aquele que possibilita ao órgão recursal exceder os limites da matéria impugnada no recurso sem que isso acarrete eventual decisão citra petita, extra petita ou ultra petita, como ocorre com as matérias de ordem pública, cuja análise pode ocorrer ex officio.

Com relação ao EFEITO EXPANSIVO, é aquele que abarca outras matérias, além das impugnadas, ou seja, ocasiona a expansão da decisão judicial influenciando outros atos do processo.

Por fim, o EFEITO SUBSTITUTIVO é aquele que, quando admitido, acarreta a substituição da decisão por outra, nos limites do objeto do recurso.

g.  Distinção entre recurso e pedido de reconsideração.

O recurso em muito se difere do pedido de reconsideração, embora o intuito ao se elaborar um pedido de reconsideração seja de reexame da decisão, razão pela qual alguns entendem que o pedido de reconsideração tem natureza de recurso. No entanto, outros entendem que o pedido de reconsideração tem o caráter de sucedâneo recursal.

Importante destacar que o pedido de reconsideração não encontra previsão legal direta no Código de Processo Civil, mas apenas indicações de sua possibilidade, como no artigo 527, parágrafo único.

Em que pese a discussão acerca da natureza jurídica do pedido de reconsideração, de rigor ressaltar que ele não possui o condão de suspender o prazo recursal ou evitar o trânsito em julgado.

h.  Requisitos de admissibilidade dos recursos.

Os pressupostos genéricos de admissibilidade dos recursos são as exigências formais para permitir o julgamento do mérito recursal. Por razões de economia processual, muitas vezes se atribui ao juízo a quo a função de FILTRAGEM para “evitar atividade inútil da máquina judicial”.

Os PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS do Recurso (referente à própria existência do poder de recorrer) são:

·         legitimidade
·         interesse
·         previsibilidade legal do recurso.

Os PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS (relativos ao modo de exercer o recurso) são:

·         Cabimento
·         Tempestividade
·         Preparo
·         Regularidade formal

Pressupostos subjetivos são as qualidades necessárias à pessoa do recorrente.
LEGITIMIDADE – partes, Ministério Público e terceiro juridicamente interessado (artigo 499 do CPC).

INTERESSE RECURSAL - Está presente quando o recorrente, prejudicado pela decisão impugnada, pode lograr situação jurídica mais vantajosa com o recurso. O recurso deve ser necessário e adequado.

CABIMENTO - Possibilidade jurídica do recurso: previsão legal. Conforme o tipo de pronunciamento, caberá – ou não – certa modalidade recursal. Havendo erro, é possível a aplicação do princípio da fungibilidade.

TEMPESTIVIDADE - Interposição do recurso no prazo legal. Prazo genérico dos recursos: 15 dias; Exceções: - 5 dias (embargos de declaração e agravo interno) - 10 dias (agravo e recurso no JEC).

PREPARO - Recolhimento dos valores devidos a titulo de taxa judiciária (preparo), podendo ser incluso a taxa de porte de remessa / retorno (despesa processual pelo deslocamento dos autos). Previsão: CPC 511; regra: sistema do preparo simultâneo/ imediato.

REGULARIDADE FORMAL - Interposição do recurso de forma regular, mediante:
·         Interposição perante o juízo competente;
·         petição acompanhada das razões do inconformismo e do pedido de nova decisão;
·         petição contendo elementos da ação;
·         demonstração da qualificação : - das partes (se ainda não consta nos autos); - do terceiro, expondo ainda sua legitimidade (499 § 1º CPC).
·         Juntada de documentos indicados pela lei, se o caso.




[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V. Rio de Janeiro: Forense.
[2] CPC, Art. 504: Dos despachos não cabe recurso.