Em
algumas circunstâncias, reage o ordenamento jurídico à imperfeição do ato
processual, destinando-lhe a ausência de eficácia. Trata-se de sanção à
irregularidade, que o legislador impõe, segundo critérios de oportunidade (política
legislativa), quando não entende conveniente que o ato irregular venha a
produzir efeitos. As razões por que o faz são as mesmas que antes o levaram a
estabelecer exigências quanto à forma do ato (sistema de legalidade): a
necessidade de fixar garantias para as partes, de modo a celebrar-se um
processo apto a conduzir à autêntica atuação do direito, segundo a verdade dos
fatos e mediante a adequada participação de todos os seus sujeitos. A observância
do procedimento modelado pela lei é penhor da legitimidade política e social do
provimento judicial a ser proferido afinal, justamente porque é através dela
que se assegura a efetividade do contraditório (Const., art. 5°, incs. LIV e LV).
Mesmo
quando eivado de vício que determina a sua nulidade, porém, o ato processual
considera-se válido e eficaz, deixando de sê-lo apenas quando um pronunciamento
judicial decrete a nulidade: a ineficácia do ato decorre sempre do pronunciamento
judicial que lhe reconhece a irregularidade. Assim sendo, o estado ineficaz é
subsequente ao pronunciamento judicial (após a aplicação da sanção de
ineficácia – diz-se, portanto, não sem alguma impropriedade verbal, que o ato
nulo é anulado pelo juiz). Não se compadeceria com a natureza e fins públicos
do processo a precariedade de um sistema que permitisse a cada qual das partes
a apreciação da validade dos atos, podendo cada uma delas negar-se a reconhece-los mediante a simples alegação de nulidade:
abrir-se-ia caminho, inclusive, a dolo processual das partes, diluindo-se sua
sujeição à autoridade do juiz e pulverizando-se as garantias de todos no
processo.
Como
se vê, esse sistema de nulidades difere
substancialmente daquele inerente ao direito privado. Naqueles ramos do direito
substancial (civil, comercial) distingue-se o ato nulo do ato anulável
(nulidade x anulabilidade); enquanto este prevalece até que seja privado
judicialmente de eficácia, o primeiro já é, em princípio, ineficaz (a nulidade
opera pleno jure). Em direito processual, mesmo as
sentenças eivadas dos vícios mais graves, uma vez passadas em julgado, são
eficazes: só perdem a eficácia regularmente rescindidas
(CPC, arts. 485-495; CPP, arts.
621-631 e 648, inc. VI). Em processo civil, além do mais, a possibilidade da
rescisão não dura mais que dois anos a partir do trânsito em julgado (CPC, art.
495).
Fala
a doutrina, ainda, em ineficácia do ato processual por razões que não se
relacionam com os seus vícios de forma. Caso importante é o da sentença dada
sem que tenham sido partes no processo todas as pessoas que necessariamente
deveriam tê-lo sido (litisconsórcio necessário): essa sentença é ineficaz e,
mesmo passando em julgado, nunca produzirá o efeito programado (ex.: ação de
anulação de casamento movida a só um dos cônjuges pelo Ministério Público – CC,
art. 1.549).
A
sanção da nulidade pode ser imposta, em determinado ordenamento jurídico,
segundo três sistemas diferentes: a) todo e qualquer defeito do ato jurídico
leva à sua nulidade; b) nulo só terá o ato se a lei assim expressamente o
declarar; c) um sistema misto, distinguindo-se as irregularidades conforme a
sua gravidade (v. n. ant.) No direito brasileiro nota-se profunda disparidade
entre os sistemas adotados no Código de Processo Penal e no de Processo Civil.
O
primeiro deles, desatualizado perante a ciência processual, procura adotar o
segundo dos sistemas acima, fornecendo um elenco dos atos e termos
substanciais, numa casuística e rigidez que contradizem toda a teoria moderna
da nulidade (CPP, art. 564); não previu o legislador a sua própria
falibilidade, acreditando ser capaz de prever todas as imperfeições que podem
levar o processo por caminhos inconvenientes.
O
Código de Processo Civil, seguindo o caminho das melhores codificações modernas
(v. tb. CPC-39, arts. 273-279), abstrai-se de compor
um elenco pretensamente completo dos casos de nulidade; nulo será o ato se houver
cominação expressa e também quando, na comparação com o modelo legal, se
verificar que não foi celebrado com fidelidade a este (e é muito pequeno o
número das nulidades cominadas frente às não-cominadas,
que são praticamente imprevisíveis e portanto arredias ao enquadramento em um
rol).
O
sistema do Código de Processo Penal vem do direito francês: “aucun exploit ou acte de procédure ne sera declare nul, si la nullité
n’est pas formellement pronnonncée par la loi” (côde de procédure
civile, art. 1.030). Nosso Código introduz alguma
racionalização (art. 563), mas, tanto quanto o dispositivo francês citado, expõe-se ao risco de omitir irregularidades gravíssimas,
que não podem deixar de condenar à nulidade o ato ou mesmo o processo. Por isso
mesmo, aliás, a doutrina e a jurisprudência modernas remontam frequentemente às
garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório para a
identificação de nulidades não expressamente cominadas.
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