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segunda-feira, 21 de maio de 2012

VÍCIOS DO ATO PROCESSUAL - Nulidade


Em algumas circunstâncias, reage o ordenamento jurídico à imperfeição do ato processual, destinando-lhe a ausência de eficácia. Trata-se de sanção à irregularidade, que o legislador impõe, segundo critérios de oportunidade (política legislativa), quando não entende conveniente que o ato irregular venha a produzir efeitos. As razões por que o faz são as mesmas que antes o levaram a estabelecer exigências quanto à forma do ato (sistema de legalidade): a necessidade de fixar garantias para as partes, de modo a celebrar-se um processo apto a conduzir à autêntica atuação do direito, segundo a verdade dos fatos e mediante a adequada participação de todos os seus sujeitos. A observância do procedimento modelado pela lei é penhor da legitimidade política e social do provimento judicial a ser proferido afinal, justamente porque é através dela que se assegura a efetividade do contraditório (Const., art. 5°, incs. LIV e LV).
Mesmo quando eivado de vício que determina a sua nulidade, porém, o ato processual considera-se válido e eficaz, deixando de sê-lo apenas quando um pronunciamento judicial decrete a nulidade: a ineficácia do ato decorre sempre do pronunciamento judicial que lhe reconhece a irregularidade. Assim sendo, o estado ineficaz é subsequente ao pronunciamento judicial (após a aplicação da sanção de ineficácia – diz-se, portanto, não sem alguma impropriedade verbal, que o ato nulo é anulado pelo juiz). Não se compadeceria com a natureza e fins públicos do processo a precariedade de um sistema que permitisse a cada qual das partes a apreciação da validade dos atos, podendo cada uma delas negar-se a reconhece-los mediante a simples alegação de nulidade: abrir-se-ia caminho, inclusive, a dolo processual das partes, diluindo-se sua sujeição à autoridade do juiz e pulverizando-se as garantias de todos no processo.
Como se vê, esse sistema de nulidades difere substancialmente daquele inerente ao direito privado. Naqueles ramos do direito substancial (civil, comercial) distingue-se o ato nulo do ato anulável (nulidade x anulabilidade); enquanto este prevalece até que seja privado judicialmente de eficácia, o primeiro já é, em princípio, ineficaz (a nulidade opera pleno jure). Em direito processual, mesmo as sentenças eivadas dos vícios mais graves, uma vez passadas em julgado, são eficazes: só perdem a eficácia regularmente rescindidas (CPC, arts. 485-495; CPP, arts. 621-631 e 648, inc. VI). Em processo civil, além do mais, a possibilidade da rescisão não dura mais que dois anos a partir do trânsito em julgado (CPC, art. 495).
Fala a doutrina, ainda, em ineficácia do ato processual por razões que não se relacionam com os seus vícios de forma. Caso importante é o da sentença dada sem que tenham sido partes no processo todas as pessoas que necessariamente deveriam tê-lo sido (litisconsórcio necessário): essa sentença é ineficaz e, mesmo passando em julgado, nunca produzirá o efeito programado (ex.: ação de anulação de casamento movida a só um dos cônjuges pelo Ministério Público – CC, art. 1.549).
A sanção da nulidade pode ser imposta, em determinado ordenamento jurídico, segundo três sistemas diferentes: a) todo e qualquer defeito do ato jurídico leva à sua nulidade; b) nulo só terá o ato se a lei assim expressamente o declarar; c) um sistema misto, distinguindo-se as irregularidades conforme a sua gravidade (v. n. ant.) No direito brasileiro nota-se profunda disparidade entre os sistemas adotados no Código de Processo Penal e no de Processo Civil.
O primeiro deles, desatualizado perante a ciência processual, procura adotar o segundo dos sistemas acima, fornecendo um elenco dos atos e termos substanciais, numa casuística e rigidez que contradizem toda a teoria moderna da nulidade (CPP, art. 564); não previu o legislador a sua própria falibilidade, acreditando ser capaz de prever todas as imperfeições que podem levar o processo por caminhos inconvenientes.
O Código de Processo Civil, seguindo o caminho das melhores codificações modernas (v. tb. CPC-39, arts. 273-279), abstrai-se de compor um elenco pretensamente completo dos casos de nulidade; nulo será o ato se houver cominação expressa e também quando, na comparação com o modelo legal, se verificar que não foi celebrado com fidelidade a este (e é muito pequeno o número das nulidades cominadas frente às não-cominadas, que são praticamente imprevisíveis e portanto arredias ao enquadramento em um rol).
O sistema do Código de Processo Penal vem do direito francês: “aucun exploit ou acte de procédure ne sera declare nul, si la nullité n’est pas formellement pronnonncée par la loi” (côde de procédure civile, art. 1.030). Nosso Código introduz alguma racionalização (art. 563), mas, tanto quanto o dispositivo francês citado, expõe-se ao risco de omitir irregularidades gravíssimas, que não podem deixar de condenar à nulidade o ato ou mesmo o processo. Por isso mesmo, aliás, a doutrina e a jurisprudência modernas remontam frequentemente às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório para a identificação de nulidades não expressamente cominadas.

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