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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO HABEAS CORPUS MESMO APÓS A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.

O grande cerne desta questão é o de saber se, aceitando o acusado a proposta de suspensão do processo, prevista no artigo 89 da Lei n°. 9.099/95, pode vir, ou não, a ajuizar habeas para questionar a própria existência da ação penal.

Através de leitura atenta do disposto no art. 89, §1°, da Lei 9.099/95, “chega-se à inequívoca conclusão de que o recebimento da denúncia é pressuposto da suspensão condicional do processo. O juiz, diz o texto legal, “recebendo a denúncia”, poderá suspender o processo. Pela ordem legal, primeiro marca-se a audiência de conciliação, ouve-se o acusado, celebra-se a transação, para depois o juiz examinar a viabilidade da denúncia. Com a devida vênia, o juízo de admissibilidade da denúncia, exigido pela lei, deve anteceder à designação da audiência de conciliação”. (Suspensão Condicional do Processo Penal, São Paulo, RT, 1955, p. 177).

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, tem decidido que a aceitação do benefício previsto no art. 89 da Lei 9.099/95 não implica renúncia ao interesse de agir para impetração de habeas corpus para questionar a justa causa da ação penal. Confira-se:

PROCESSO - SUSPENSÃO - HABEAS CORPUS. A suspensão do processo, operada a partir do disposto no artigo 89 da Lei nº 9.099/95, não obstaculiza impetração voltada a afastar a tipicidade da conduta. (HC 85747, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 21/06/2005, DJ 14-10-2005 PP-00012 EMENT VOL-02209-2 PP-00380)
EMENTA: HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE QUE A ACEITAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL NÃO PREJUDICA A ANÁLISE DA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. Considerando a envergadura constitucional do habeas corpus e o direito fundamental a que visa resguardar, é de se reconhecer que o acusado pode, a qualquer tempo, questionar os atos processuais que importem coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Habeas corpus deferido para que, afastada a prejudicialidade, o Superior Tribunal de Justiça aprecie a alegação de falta de justa causa para a ação penal. (HC 89179, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 21/11/2006, DJ 13-04-2007 PP-00102 EMENT VOL-02271-02 PP-00381 RB v. 19, n. 525, 2007, p. 35-37)
EMENTA: HABEAS CORPUS. Condição da ação. Interesse processual ou de agir. Caracterização. Alegação de falta de justa causa para ação penal. Admissibilidade. Processo. Suspensão condicional. Aceitação da proposta do representante do Ministério Público. Irrelevância. Renúncia não ocorrente. HC concedido de ofício para que o tribunal local julgue o mérito do pedido de habeas corpus. Precedentes. A aceitação de proposta de suspensão condicional do processo não subtrai ao réu o interesse jurídico para ajuizar pedido de habeas corpus para trancamento da ação penal por falta de justa causa. (RHC 82365, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 27/05/2008, DJe-117 DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008 EMENT VOL-02325-02 PP-00309 RTJ VOL-00209-03 PP-01116 RT v. 97, n. 876, 2008, p. 508-510)

Vê-se que os excertos transcritos afirmam o cabimento do writ, permitindo seja a denúncia questionada mesmo depois de formalizado o termo de acordo de suspensão do processo, dando a ideia de que esse exame pode ser feito pela instância superior àquela que homologou o pacto.

Assim, tem-se que constitui direito do denunciado obter do órgão julgador, monocrático ou colegiado, a manifestação prévia sobre a necessária existência de justa causa para a ação penal, daí nascendo, caso o juízo de deliberação resulte positivo, a oportunidade de optar o réu entre a suspensão ou o processamento. Com isso evita-se, como já exposto, que o denunciado sofra indevido constrangimento, causado pela obrigatoriedade de manifestar concordância ou discordância com a proposta do Ministério Público, antes mesmo de saber da validade da inicial acusatória, o que poderia redundar no recebimento de denúncia inepta ou sem base empírica nos autos a justificar o ato.


Por isso, verifica-se que não caracteriza prejudicialidade para apreciação do objeto do presente Habeas Corpus a concordância do denunciado quanto a suspensão condicional do processo, onde deve ser examinada a denúncia quanto ao mérito da impetração.

A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA JULGAR HABEAS CORPUS CUJO ATO COATOR FOI PRATICADO PELA TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL.

Inicialmente, o STF entendeu que era competente para julgar o Habeas Corpus contra ato da Turma Recursal, tendo editado a súmula 690 afirmando:

“Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais.”

Ocorre que, no julgamento do HC 86.834-7/SP, o Plenário do STF reviu seu posicionamento sobre o tema e passou a decidir que a competência para julgar Habeas Corpus impetrado contra ato da Turma Recursal é do Tribunal de Justiça Estadual (se for turma recursal estadual) ou do Tribunal Regional Federal (se a turma recursal for do Juizado Especial Federal). Vejamos:

COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - DEFINIÇÃO. A competência para o julgamento do habeas corpus é definida pelos envolvidos - paciente e impetrante. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - ATO DE TURMA RECURSAL. Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais submetidos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal, incumbe a cada qual, conforme o caso, julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - LIMINAR. Uma vez ocorrida a declinação da competência, cumpre preservar o quadro decisório decorrente do deferimento de medida acauteladora, ficando a manutenção, ou não, a critério do órgão competente.
(HC 86834, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/08/2006, DJ 09-03-2007 PP-00026 EMENT VOL-02267-02 PP-00242 RJSP v. 55, n. 354, 2007, p. 175-184 LEXSTF v. 29, n. 341, 2007, p. 350-365)

Com efeito, vale anotar que consoante dispõe o artigo 96, inciso III, da Constituição Federal, aos tribunais de justiça cabe processar e julgar os juízes estaduais nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Então, imputado o ato de constrangimento a turma recursal de juizado especial criminal, incumbe ao tribunal de justiça examinar o habeas.

Essa óptica é reforçada pelo fato de a competência originária e recursal do Supremo estar fixada na própria Carta, e aí não se tem preceito a versá-las que, interpretado e aplicado, conduza à conclusão sobre competir ao Tribunal de Justiça Estadual apreciar os habeas ajuizados contra atos de turmas recursais criminais, tratando-se de processo concernente a delito de menor potencial ofensivo.


Desse modo, verifica-se que atualmente a súmula 690 do STF está superada. Restando competente para julgar o presente Habeas Corpus contra ato da Turma Recursal, o Tribunal de Justiça do Estado.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS PELA MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA


Nas demandas que buscam indenizações por danos causados pela má prestação de serviço de telefonia é imprescindível a formulação de pedido de INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA por se tratar de relação de consumo, disciplinada pelas normas estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor. Assim, será analisado pelo magistrado a verossimilhança das alegações da parte bem como sua hipossuficiência na presente relação de consumo, para então ser transferido ao prestador de serviço de telefonia o ônus probatório da lide.

Os serviços de telefonia e de banda larga possuem relevância significativa para a economia e para as relações sociais no cotidiano da população em virtude das milhões de pessoas que utilizam esses serviços.

Hodiernamente, dificilmente qualquer pessoa que tenha acesso a esses serviços é capaz de passar um único dia sem se comunicar com alguém por telefone ou internet, seja através de chamadas de voz, e-mails, chats de conversação, redes sociais, os quais se utilizam da internet disponibilizada apara os aparelhos de telefonia móvel.

O ordenamento jurídico nacional reconhece essa realidade quando a Lei Federal nº 9.472/97 estabelece, em seu art. 2º, inc. I, que “o Poder Público tem o dever de garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações” e em seu art. 3°, inc. I, que “o usuário de serviços de telecomunicações tem direito de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional”.

Por sua relevância, os serviços prestados pelas operadoras de telefone e provedores de internet são, expressamente, considerados essenciais pela Lei Federal nº 7.783/89, que prevê:

Art. 10 - São considerados serviços ou atividades essenciais:
(...)
VII - telecomunicações;

Na condição de concessionária do serviço público essencial de telecomunicações, as operadoras de telefone, além de atender às normas do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990), deve também respeitar as imposições da legislação que disciplina o regime de concessões, em geral, e o de telecomunicações, em particular.

São preceitos que, a partir das peculiaridades dos serviços e do regime de concessões, criam diversas obrigações para as concessionárias no que concerne à qualidade de sua atuação, além de conferir direitos especiais aos usuários.

A Lei Federal nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, traz os seguintes dispositivos:

Art. 6º - Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1º - Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
(...)
Art. 7º - Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:
I - receber serviço adequado;

Por seu turno, a Lei Federal nº 9.472/97 que, como vimos, dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, determina:

Art. 3° - O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
I - de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional; (...)
Art. 127 - A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial das relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dos consumidores, destinando-se a garantir: (...)
III - o respeito aos direitos dos usuários;

Enquanto fornecedora de serviços, a empresa prestadora de serviços de telecomunicações submete-se também às normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, da Lei Federal nº 8.078/90, que no art. 22 traz preceito específico aplicável às concessionárias de serviços públicos:

Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Adequação, regularidade, continuidade, eficiência, generalidade, cortesia na sua prestação e respeito aos direitos dos usuários: os dispositivos legais transcritos são regras de direito material que, ao impor tais requisitos, convergem para criar uma expectativa de qualidade em relação aos serviços prestados pela parte requerida aos consumidores.

A inadequação, a irregularidade, a descontinuidade, a ineficiência, a descortesia e o desrespeito aos direitos dos usuários, que infelizmente vêm caracterizando a atuação da requerida e notadamente, as empresas desse mesmo ramo de atividade, implicam em descumprimento da lei, e por isso projetam consequências jurídicas. As prescrições legais acima transcritas são comandos imperativos que, quando desobedecidos, sujeitam a concessionária-fornecedora à responsabilização pelos danos decorrentes.

Estando cabalmente comprovado a caracterização da responsabilidade civil da empresa prestadora de serviços de telecomunicações pela ineficiência na prestação do serviço contratado, o que caracteriza ofensa à lei e, portanto, ato ilícito.

Uma vez demonstrado o ilícito praticado pela empresa e os danos causados pela má prestação de serviço, evidente o direto do consumidor à reparação. O Código Civil, aplicável às relações de consumo por força do que dispõe o art. 7º, caput, do CDC, responsabiliza quem, praticando ato ilícito, causa dano a alguém:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (...)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Outros dispositivos de direito material conferem ao consumidor, especialmente ao usuário de serviço público, o direito à reparação por danos sofridos. A Lei Federal nº 9.472/97 prevê:

Art. 3° - O usuário de serviços de telecomunicações tem direito: (...)
XII - à reparação dos danos causados pela violação de seus direitos.

Já o CDC, depois de considerar “direito básico do consumidor” a “efetiva reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (art. 6º, inc. VI), na Seção que dedica à “Responsabilidade por Vício do Serviço”, determina:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
§ 2° - São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade. (...)
Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

O direito à indenização pelas falhas na prestação de serviço essencial, portanto, tem amplo amparo em nosso ordenamento jurídico. E, na condição de usuário e consumidor do serviço prestado pela empresa prestadora de serviços de telecomunicações, quando vitimado pela deficiência de sua atuação, deve ter seus danos indenizados.

O direito do consumidor à reparação independe da verificação de culpa da empresa, porquanto vigora na espécie a responsabilidade objetiva do fornecedor de consumo.

Estabelece o Código Civil/2002 que:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

Vê-se, pois, que a responsabilidade objetiva —  independente de culpa  —  se assenta já nas normas positivas do Código Civil/2002, que têm aplicação subsidiária à matéria de consumo, naquilo que não contrariarem a legislação consumerista, por força da norma de integração do art. 7° do CDC:

Art. 7°. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Não obstante, o próprio Código de Defesa do Consumidor cuidou de fixar a responsabilidade civil objetiva dos fornecedores da cadeia de fornecimento de consumo, dispensando cogitar de culpa, como se vê, em especial, nos arts. 12 e 14:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

As normas do CDC (arts. 12 e 14) se integram e auto complementam com as normas do CC/2002 (arts. 927, parágrafo único, e 931).

Cuidando-se então de danos ou prejuízos verificados no fornecimento no mercado de consumo, segundo os conceitos do CDC — ou resultantes dos riscos inerentes ao produto em circulação ou à própria natureza da atividade — a responsabilidade do fornecedor é objetiva, independente de culpa.

Ressaltada a relevância para o consumidor do serviço objeto da lide e a existência da responsabilidade objetiva, verifica-se a existência de danos materiais e morais no caso em que resta evidenciada a ineficiência do serviço contratado.

No que se refere ao dano material, quando não há a efetiva e regular disponibilização do serviço contratado pelo consumidor, faz surgir à este direito ao ressarcimento pelo dano material, uma vez que pagou regularmente e integralmente por um serviço deficitário.

No que tange ao dano moral, igualmente resta caracterizado na presente situação, porquanto “Ao fornecedor do produto ou serviço cabe suportar o risco do negócio e atividade, bem como o dever de indenizar o consumidor nos casos decorrentes da falha na prestação dos serviços”[1]. Outrossim, a reparação de prejuízos imateriais possui, também, caráter dissuasório, aplicando-se a responsabilidade civil com o propósito de evitar a reiteração dos atos perpetrados.

Por se tratar a hipótese dos autos de evidente falha na prestação dos serviços, bem calha a lição de PAULO LUIZ NETTO LÔBO, verbis:

Imputa-se a responsabilidade ao fornecedor que presta os serviços de modo impróprio, ou seja, viciado. O vício é objetivo, relacionado aos serviços que se prestou. Diz respeito à qualidade, inclusive quando a execução está em desconformidade com a qualidade anunciada na oferta ou na publicidade”.

Sobre o tema, SERGIO CAVALIERI FILHO traz importante lição a respeito do caso versado nos autos, in verbis:

Por mais pobre e humilde que seja uma pessoa, ainda que completamente destituída de formação cultural e bens materiais, por mais deplorável que seja seu estado biopsicológico, ainda que destituída de consciência, enquanto ser humano será detentora de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade, mais precioso que o patrimônio. É a dignidade humana, que não é privilégio apenas dos ricos, cultos ou poderosos, que deve ser por todos respeitada. Os bens que integram a personalidade constituem valores distintos dos bens patrimoniais, cuja agressão resulta no que se convencionou chamar de dano moral.
Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.

CARLOS ALBERTO BITTAR, citado por JOÃO ROBERTO PARIZZATO, leciona, verbis:

Com efeito, o dano moral repercute internamente, ou seja, na esfera íntima, ou no recôndito do espírito, dispensando a experiência humana qualquer exteriorização a título de prova, diante das próprias evidências fáticas.

Destarte, valorando-se a conduta adotada pela empresa prestadora de serviços de telecomunicações, a qual afigura-se abusiva, em face da má prestação dos serviços disponibilizados, injustificadamente. Demonstrada a conduta desrespeitosa da empresa em relação ao consumidor, porquanto procedeu em flagrante ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, deve-se impor indenização por danos morais, na presente situação com a característica de demover-se a repetição do ato praticado. Tendo em vista que toda paz do consumidor é extinta desde o início da má prestação do serviço ofertado pela empresa de telecomunicação, perseguindo aquele até este tentar solucionar seu problema nas centrais de autoatendimento, onde nesta situação o consumidor nunca logra êxito, agravando ainda mais sua angústia.


Indubitável que a má prestação de serviço pela empresa de telecomunicação gera descontentamento ao cidadão, em razão de falhas na prestação de serviços a cargo desta empresa que lhe exigiu dispêndio de tempo e paciência, sem sucesso, suficientes para gerar o direito à reparação do dano moral pelos sérios transtornos ocasionados, e não dissabores inerentes à vida em sociedade.

Vale anotar ser inexigível quaisquer provas do dano moral experimentado, que decorre de conduta culposa da empresa de telecomunicação no caso em que esta não se acautela e nem diligencia com presteza e eficácia, visando solucionar o problema dos consumidores. A fissura e o abalo no espírito da pessoa que se sente lesada são bastante para caracterizar o dano moral. Uma vez que cumpre à empresa prestadora de serviço organizar melhor seus serviços, com diligência e aptidão necessárias ao resguardo da honra e respeitabilidade com os usuários de seus serviços.

No que concerne ao quantum indenizatório, deve ser valorado que o mesmo deva, por meio do valor a ser fixado, não só garantir à parte que o postula a compensação do dano em face da lesão experimentada, acaso possível, como, de igual modo, servir de reprimenda àquele que efetuou a conduta reprovável, de tal forma que o impacto se mostre hábil a dissuadi-lo da repetição de procedimento análogo, devendo ser sublinhado aqui o efeito punitivo-pedagógico que se pretende.

Nesta esteira, devem ser sopesadas a condição socioeconômica das partes; a repercussão do dano e bem assim a conduta do agente visando a adequada fixação do montante indenizatório, obstando-se o enriquecimento indevido do autor e, noutra ponta, a imposição de exacerbada pena à parte requerida. Vejamos julgados neste sentido:

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. TELEFONE. DEFICIENTE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE INTERNET. DANO MORAL OCORRENTE. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO.
1.Alega a parte autora que contratou serviço de internet com a recorrida no dia 30/05/2012, o qual foi oferecido via texto SMS pelo valor de R$ 9,90 por mês.
2.Porém, o serviço nunca funcionou devidamente. O consumidor disse que tentou solucionar o problema via call Center, protocolos 2012908414906 e 2012908411959, no que não teve êxito.
3.Assim, era ônus da ré em comprovar que estava fornecendo adequadamente o serviço contratado. Não logrou êxito com seu encargo, não tendo trazido aos autos qaulquer prova do da adequada prestação do serviço contratado.
4.Assim, merece ser confirmada a sentença quanto à indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00, sobretudo pelo desrespeito com o consumidor, impondo-se a condenação também pelo caráter punitivo e pedagógico que integra este tipo de reparação. O valor  fixado se mostra adequado aos parâmetros utilizados por esta Turma em casos de mesma natureza.
Recurso improvido. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO INOMINADO Nº 71004045795. SEGUNDA TURMA RECURSAL CÍVEL, COMARCA DE SANTO ÂNGELO/RS.

RECURSO INOMINADO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA DEFICIENTE. AUTOR PRIVADO DO USO DE SEU TELEFONE FIXO. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. MULTA COMINATÓRIA. ASTREINTE.
1. Na esteira do princípio da distribuição dinâmica do ônus probatório, competia à ré comprovar a efetiva e regular disponibilização do serviço de telefonia ao autor, por cuidar-se de parte que dispõe de condições técnicas para tanto, não logrando a recorrente/ré desincumbir-se deste encargo, que era só seu.
2. Havendo o autor contratado serviço de telefonia e sendo este fornecido de modo deficitário, de forma que o autor experimentou dificuldades em realizar e receber ligações, e diante do descaso da ré na prestação de seus serviços bem como em caráter dissuasório, porquanto se afigura a mesma reincidente em ações análogas, impunha-se houvesse o reconhecimento do dano moral sofrido.
3. Quantificação do dano moral em R$ 2.000,00, de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e nos moldes de paradigmas desta Turma Recursal. RECURSO DO AUTOR PROVIDO, EM PARTE. RECURSO DA RÉ IMPROVIDO. RECURSO INOMINADO Nº 71003163581. PRIMEIRA TURMA RECURSAL CÍVEL. COMARCA DE TENENTE PORTELA/RS.

Deste modo, verifica-se que é cabalmente cabível indenização por danos morais e materiais, no intuito de reparar o consumidor lesada em virtude da má prestação de serviço ofertado por empresa prestadora de serviços de telecomunicações. Deve, inclusive, os valores estipulados a título de indenização serem corrigidos monetariamente, sem prejuízo dos demais encargos legais como juros de mora.




[1] TJMA, Ap. Cív. 26386/2011 (ac. 113.263/2012), 2ª Câm. Cível, Rel. Desa. Nelma Sarney, j. 20/03/2012.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

QUESTÃO PRÁTICA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL – INTERVENÇÃO DE TERCEIROS POR INICIATIVA DAS PARTES QUE FIGURAM ORIGINARIAMENTE DO PROCESSO

Em que hipóteses ocorre a intervenção de terceiros por iniciativa das partes que figuram originariamente do processo, explique uma delas.

No instituto processual da Intervenção de Terceiros, um “terceiro juridicamente interessado” pode, com o escopo de defender interesse próprio, intervir voluntariamente no processo, ou mediante provocação de uma das partes. A intervenção por provocação de uma das partes, na chamada “intervenção provocada”, envolve três institutos diversos, quais sejam: nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo. Já a intervenção por iniciativa própria do terceiro, na chamada “intervenção voluntária”, envolve dois institutos, quais sejam: assistência e oposição.

Na questão em comento deseja-se explicação sobre a hipótese em que há iniciativa da parte que figura originalmente do processo, então será tratada sobre a intervenção provocada. Ocorre a intervenção de terceiros por iniciativa das partes que originariamente estão no processo nas seguintes figuras de intervenção de terceiros: denunciação da lide; nomeação à autoria e; chamamento ao processo. Será dissertado adiante sobre a Denunciação a lide.

Denunciação da lide é o ato pelo qual a parte, a fim de garantir seu direito de regresso, no caso de que acabe vencida na ação, chama à lide terceiro garantidor, a fim de este integre o processo. Desta forma, se por acaso o juiz vier a condenar ou julgar improcedente o pedido do denunciante, deverá, na mesma sentença, declarar se o denunciado, por sua vez, deve ou não indenizá-lo. Na verdade, com a denunciação se estabelecem duas lides num só processo.

A denunciação da lide é obrigatória nos casos expressamente previstos no art. 70 do CPC: I – ao alienante, a fim de que possa exercer o direito que da evicção lhe resulta (art. 456, CC/02); II – ao proprietário ou ao possuidor indireto, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício; III – ao obrigado, pela lei ou contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do denunciante, e tanto pode ser de iniciativa do autor como do réu.

Se a denunciação for feita pelo autor (art.74), deverá constar da petição inicial, procedendo-se em seguida a citação do réu. Se competir ao réu a iniciativa, a denunciação deverá ser feita no prazo da contestação, quando será pedida a citação do denunciando. Ao deferir o pedido, o juiz suspenderá o processo, determinando ao denunciante que proceda com a citação do denunciado no prazo de 10 (dez) dias, quando este residir na mesma comarca e 30 (trinta) dias, quando residir em outra comarca (art. 72, CPC). Citado, o litisdenunciado pode aceitar a denunciação, recusá-la, ou permanecer revel. Em qualquer caso, ficará vinculado ao processo, de modo que a sentença que julgar procedente a ação declarará, conforme o caso, a sua responsabilidade, em face do denunciante, valendo como título executivo judicial (art. 76, CPC).


É possível ocorrer “denunciações sucessivas”, ou seja, o denunciado poderá, por sua vez, denunciar, também, aquele de quem houve a coisa ou o direito em litígio, e este gozará, da mesma forma, do direito de denunciar o antecessor e assim sucessivamente. Neste sentido, o art. 73 do CPC declara que, “para fins o disposto no art. 70, o denunciado por sua vez, intimará do litígio o alienante, o proprietário, o possuidor indireto ou responsável pela indenização e, assim, sucessivamente”.

OS CONSELHEIROS TUTELARES NÃO POSSUEM ATRIBUIÇÃO PARA DETERMINAR A CONFECÇÃO DE EXAME DE CORPO DE DELITO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 10 de setembro de 2013.
HABEAS CORPUS 026181/2013 - BURITICUPU (numeração única: 0005672-82.2013.8.10.0000)
IMPETRANTE:Carlos Olivar de Faria Júnior
ENQUADRAMENTO: art. 330 do CPB
AUTORIDADE COATORA: Juízo de Direito da Única vara de Buriticupu
RELATOR: Desembargador Raimundo Nonato Magalhães Melo
PROCURADOR: Domingas de Jesus Froz Gomes

ACÓRDÃO N.º 135642/2013

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
- A determinação para realização de exame de corpo de delito não consta do rol de atribuições concedidas aos Conselheiros Tutelares.
- A requisição pelo Conselheiro mostra-se desprovida de legalidade seja formal ou material.
- Conduta atípica. Ausência de justa causa para ação penal, impondo-se o seu trancamento. 
- No mérito, concedida a ordem para trancar ação penal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus, em que são partes as acima nominadas, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores  Desembargadores da  Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, à  unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em CONCEDER AORDEM, nos  termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente),  Raimundo Nonato Magalhães Melo (Relator) e José de Ribamar Froz Sobrinho.

Funcionou pela Procuradoria de Justiça a Procuradora Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís, 10 de setembro de 2013.





DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO MAGLHÃES MELO
Relator


RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus Liberatório, com pedido de liminar, impetrado, pelo Advogado Carlos Olivar de Faria Júnior, em favor de L.G.A.S. sob a alegação que estaria sofrendo constrangimento ilegal por ato praticado pelo Presidente da Turma Recursal de Imperatriz.

Consta dos autos que no dia 04 de janeiro do corrente ano, uma adolescente compareceu no Hospital Municipal, local onde o paciente trabalha como médico, acompanhada por conselheiros tutelares, para realização de exame de conjunção carnal, para apuração de suposta prática de violência sexual.

Alega o Impetrante que, em razão da suposta violência ter sido pratica a aproximadamente há três meses, não teria como o paciente elaborar e realizar o exame, pois não haveria mais vestígios da agressão.

As funcionárias, que acompanhavam a adolescente, inconformadas com atitude do paciente, dirigiram-se a Delegacia onde foi lavrado um termo Circunstanciado de Ocorrência que foi encaminhado ao Juízo da Única Vara da Comarca de Buriticupu (responsável pelos procedimentos insertos na lei n.º 9.099/95).

Embora tenha o Paciente informado em audiência os motivos da não realização do exame, o Ministério Público ofertou denúncia em seu desfavor, sendo recebida e realizada audiência, onde foi recusada a transação penal e a proposta de suspensão condicional do processo, "por ser evidente a inépcia da denúncia e a falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal, onde o Paciente acreditava que diante de tais circunstâncias seria absolvido sumariamente".

Alega o Impetrante que após a audiência anteriormente mencionada, foi impetrada ordem de Habeas Corpus, junto a Turma Recursal, sustentado que o Magistrado não observou o procedimento inserto na lei n.º 9.099/95,"recebendo a denúncia antes da audiência de instrução e julgamento. Sendo tal ato ilegal caracterizando cerceamento de defesa".

Ressaltou, no referido writ, que a conduta do paciente é atípica, não havendo "justa causa, eis que não houve qualquer ordem legal de funcionário público descumprida, apenas uma simples requisição informal". Por fim, pleiteou liminarmente a suspensão da ação penal, e no mérito seu trancamento.

Em análise à ordem impetrada, a Turma Recursal de Imperatriz denegou-a, alegando que o paciente descumpriu ordem de autoridade constituída, além de ter descumprido seu dever profissional.

Ante a decisão proferida pela Turma Recursal, foi impetrada a presente ordem, reafirmando a ausência de justa causa.

Liminar indeferida, às fls.64 a 66.

Informações do Magistrado às fls.

Instada a se manifestar, opina a Douta Procuradoria pela concessão da ordem com o consequente trancamento da ação penal.

É o que tinha a relatar.

VOTO

Conforme relatado, requer o Impetrante a concessão da presente ordem para trancar a ação penal a qual responde o paciente pela pratica do crime inserto no art.330 do Código Penal, pela atipicidade da conduta.
                                             
Preliminarmente, ressalto que, não obstante o rito sumaríssimo do presente remédio constitucional, a jurisprudência pátria vem entendendo ser possível o trancamento de ação penal em andamento por esta via, desde que comprovada de pronto a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade, a ausência de indícios de autoria, também quando há ausência de prova da materialidade do delito, ou ainda a peça inicial mostrar-se deficiente.

Ressalta-se que o trancamento de ação penal por via de writ dar-se-á desde que não necessite de dilação probatória, ou seja, independentemente de apreciação de outras provas capazes de serem produzidas somente no decorrer da instrução criminal. Precedentes do STJ.

Logo, presentes os pressupostos processuais de admissibilidade, conheço do Habeas Corpus.

O crime imputado ao paciente encontra-se assim descrito:

Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Segundo Rogério Greco para configuração do crime sob retina "a ordem deve ser formal e materialmente legal" "bem como o funcionário público que a determinou deve ter atribuições legais para tanto"[1].

Pelo que se vê das provas coligadas aos autos, constata-se que os Conselheiros Tutelares não possuem atribuição para determinar a confecção de exame de corpo de delito.

Segundo prescreve o art.136 do Estatuto da Criança e do Adolescente são atribuições do Conselho Tutelar:

I- atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no Art. 101, I a VII;
II- atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no Art. 129, I a VII;
III- promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;
b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações.
IV- encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;
V- encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;
VI- providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no Art. 101, I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;
VII- expedir notificações;
VIII- requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário;
IX- assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;
X- representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no Art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;
XI- representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural.

Como se constata, a determinação para realização de exame de corpo de delito não consta do rol de atribuições concedidas aos Conselheiros Tutelares.

Havendo suspeita da prática de crime contra menor, deve o Conselho levar ao conhecimento da autoridade policial que presidirá a investigação para apuração do suposto delito.

Destarte, o procedimento adotado pelos Conselheiros (de levar diretamente a suposta vítima ao Hospital Municipal) fere os ditames do Código de Processo Penal no qual prescreve que "o exame será requisitado pela autoridade ao diretor da repartição" (o art.178 do C.P.P) e na ausência de perito oficial, como no presente caso, deve-se nomear 02 (dois) pessoas "idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica".

A requisição pelo Conselheiro mostra-se desprovida de legalidade seja formal ou material.

No mais, segundo entendimento Jurisprudencial e Doutrinário o crime de desobediência não pode ser praticado por funcionário público, eis que consta do rol dos crimes praticados por particulares contra a Administração Pública, exceto quando tratar-se de ordem judicial  e não existir hierarquia entre os sujeitos.

Nestes termos colaciono o julgado:

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL, POR SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO DE RONDÔNIA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
O funcionário público pode cometer crime de desobediência, se destinatário da ordem judicial, e considerando a inexistência de hierarquia, tem o dever de cumpri-la, sob pena da determinação judicial perder sua eficácia.Precedentes da Turma.
Rejeição da denúncia que se afigura imprópria, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal a quo para nova análise acerca da admissibilidade da inicial acusatória.
Recurso especial provido, nos termos do voto do relator.
(REsp 1173226/RO, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011).

Logo, ausente a elementar do tipo penal "ordem legal de funcionário público", atípica é a conduta do paciente, tornando necessário e imperioso o trancamento da ação penal ora em andamento.

Ex positis, e de acordo com o parecer da Douta Procuradoria de Justiça, CONCEDO A ORDEM, DETERMINANDO o Trancamento da Ação Penal n.º 90000-19.2013.8.10.0028, que tramita na Vara Única de Buriticupu, por ausência de justa causa.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 10 de setembro de 2013.



Desembargador RAIMUNDO NONATO MAGALHÃES MELO
Relator
                                   




Diário da Justiça Eletrônico Edição nº 178/2013
Disponibilização: 18/09/2013, Publicação: 19/09/2013

ACÓRDÃO Nº 135642/2013
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
Sessão do dia 10 de setembro de 2013.
HABEAS CORPUS 026181/2013 - BURITICUPU (numeração única: 0005672-82.2013.8.10.0000)
PACIENTE:L.G.A.S.
IMPETRANTE: Carlos Olivar de Faria Júnior
ENQUADRAMENTO: art.330 do CPB
AUTORIDADE COATORA: Juízo de Direito da Única vara de Buriticupu
RELATOR: Desembargador Raimundo Nonato Magalhães Melo
PROCURADOR: Domingas de Jesus Froz Gomes
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA
DE JUSTA CAUSA. 1- A determinação para realização de exame de corpo de delito não consta do rol de atribuições concedidas aos Conselheiros
Tutelares.2- A requisição pelo Conselheiro mostra-se desprovida de legalidade seja formal ou material.3- Conduta atípica. Ausência de justa causa
para ação penal, impondo-se o seu trancamento. 4- No mérito, concedida a ordem para trancar ação penal.
DECISÃO: ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, à
unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em CONCEDER AORDEM, nos termos do voto do Relator.
São Luís, 10 de setembro de 2013.
DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO MAGLHÃES MELO
Relator



[1] Curso de Direito Penal,  Editora Impetus, Vol. IV.