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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

OS CONSELHEIROS TUTELARES NÃO POSSUEM ATRIBUIÇÃO PARA DETERMINAR A CONFECÇÃO DE EXAME DE CORPO DE DELITO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 10 de setembro de 2013.
HABEAS CORPUS 026181/2013 - BURITICUPU (numeração única: 0005672-82.2013.8.10.0000)
IMPETRANTE:Carlos Olivar de Faria Júnior
ENQUADRAMENTO: art. 330 do CPB
AUTORIDADE COATORA: Juízo de Direito da Única vara de Buriticupu
RELATOR: Desembargador Raimundo Nonato Magalhães Melo
PROCURADOR: Domingas de Jesus Froz Gomes

ACÓRDÃO N.º 135642/2013

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
- A determinação para realização de exame de corpo de delito não consta do rol de atribuições concedidas aos Conselheiros Tutelares.
- A requisição pelo Conselheiro mostra-se desprovida de legalidade seja formal ou material.
- Conduta atípica. Ausência de justa causa para ação penal, impondo-se o seu trancamento. 
- No mérito, concedida a ordem para trancar ação penal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus, em que são partes as acima nominadas, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores  Desembargadores da  Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, à  unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em CONCEDER AORDEM, nos  termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente),  Raimundo Nonato Magalhães Melo (Relator) e José de Ribamar Froz Sobrinho.

Funcionou pela Procuradoria de Justiça a Procuradora Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís, 10 de setembro de 2013.





DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO MAGLHÃES MELO
Relator


RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus Liberatório, com pedido de liminar, impetrado, pelo Advogado Carlos Olivar de Faria Júnior, em favor de L.G.A.S. sob a alegação que estaria sofrendo constrangimento ilegal por ato praticado pelo Presidente da Turma Recursal de Imperatriz.

Consta dos autos que no dia 04 de janeiro do corrente ano, uma adolescente compareceu no Hospital Municipal, local onde o paciente trabalha como médico, acompanhada por conselheiros tutelares, para realização de exame de conjunção carnal, para apuração de suposta prática de violência sexual.

Alega o Impetrante que, em razão da suposta violência ter sido pratica a aproximadamente há três meses, não teria como o paciente elaborar e realizar o exame, pois não haveria mais vestígios da agressão.

As funcionárias, que acompanhavam a adolescente, inconformadas com atitude do paciente, dirigiram-se a Delegacia onde foi lavrado um termo Circunstanciado de Ocorrência que foi encaminhado ao Juízo da Única Vara da Comarca de Buriticupu (responsável pelos procedimentos insertos na lei n.º 9.099/95).

Embora tenha o Paciente informado em audiência os motivos da não realização do exame, o Ministério Público ofertou denúncia em seu desfavor, sendo recebida e realizada audiência, onde foi recusada a transação penal e a proposta de suspensão condicional do processo, "por ser evidente a inépcia da denúncia e a falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal, onde o Paciente acreditava que diante de tais circunstâncias seria absolvido sumariamente".

Alega o Impetrante que após a audiência anteriormente mencionada, foi impetrada ordem de Habeas Corpus, junto a Turma Recursal, sustentado que o Magistrado não observou o procedimento inserto na lei n.º 9.099/95,"recebendo a denúncia antes da audiência de instrução e julgamento. Sendo tal ato ilegal caracterizando cerceamento de defesa".

Ressaltou, no referido writ, que a conduta do paciente é atípica, não havendo "justa causa, eis que não houve qualquer ordem legal de funcionário público descumprida, apenas uma simples requisição informal". Por fim, pleiteou liminarmente a suspensão da ação penal, e no mérito seu trancamento.

Em análise à ordem impetrada, a Turma Recursal de Imperatriz denegou-a, alegando que o paciente descumpriu ordem de autoridade constituída, além de ter descumprido seu dever profissional.

Ante a decisão proferida pela Turma Recursal, foi impetrada a presente ordem, reafirmando a ausência de justa causa.

Liminar indeferida, às fls.64 a 66.

Informações do Magistrado às fls.

Instada a se manifestar, opina a Douta Procuradoria pela concessão da ordem com o consequente trancamento da ação penal.

É o que tinha a relatar.

VOTO

Conforme relatado, requer o Impetrante a concessão da presente ordem para trancar a ação penal a qual responde o paciente pela pratica do crime inserto no art.330 do Código Penal, pela atipicidade da conduta.
                                             
Preliminarmente, ressalto que, não obstante o rito sumaríssimo do presente remédio constitucional, a jurisprudência pátria vem entendendo ser possível o trancamento de ação penal em andamento por esta via, desde que comprovada de pronto a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade, a ausência de indícios de autoria, também quando há ausência de prova da materialidade do delito, ou ainda a peça inicial mostrar-se deficiente.

Ressalta-se que o trancamento de ação penal por via de writ dar-se-á desde que não necessite de dilação probatória, ou seja, independentemente de apreciação de outras provas capazes de serem produzidas somente no decorrer da instrução criminal. Precedentes do STJ.

Logo, presentes os pressupostos processuais de admissibilidade, conheço do Habeas Corpus.

O crime imputado ao paciente encontra-se assim descrito:

Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Segundo Rogério Greco para configuração do crime sob retina "a ordem deve ser formal e materialmente legal" "bem como o funcionário público que a determinou deve ter atribuições legais para tanto"[1].

Pelo que se vê das provas coligadas aos autos, constata-se que os Conselheiros Tutelares não possuem atribuição para determinar a confecção de exame de corpo de delito.

Segundo prescreve o art.136 do Estatuto da Criança e do Adolescente são atribuições do Conselho Tutelar:

I- atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no Art. 101, I a VII;
II- atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no Art. 129, I a VII;
III- promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;
b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações.
IV- encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;
V- encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;
VI- providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no Art. 101, I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;
VII- expedir notificações;
VIII- requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário;
IX- assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;
X- representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no Art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;
XI- representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural.

Como se constata, a determinação para realização de exame de corpo de delito não consta do rol de atribuições concedidas aos Conselheiros Tutelares.

Havendo suspeita da prática de crime contra menor, deve o Conselho levar ao conhecimento da autoridade policial que presidirá a investigação para apuração do suposto delito.

Destarte, o procedimento adotado pelos Conselheiros (de levar diretamente a suposta vítima ao Hospital Municipal) fere os ditames do Código de Processo Penal no qual prescreve que "o exame será requisitado pela autoridade ao diretor da repartição" (o art.178 do C.P.P) e na ausência de perito oficial, como no presente caso, deve-se nomear 02 (dois) pessoas "idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica".

A requisição pelo Conselheiro mostra-se desprovida de legalidade seja formal ou material.

No mais, segundo entendimento Jurisprudencial e Doutrinário o crime de desobediência não pode ser praticado por funcionário público, eis que consta do rol dos crimes praticados por particulares contra a Administração Pública, exceto quando tratar-se de ordem judicial  e não existir hierarquia entre os sujeitos.

Nestes termos colaciono o julgado:

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL, POR SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO DE RONDÔNIA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
O funcionário público pode cometer crime de desobediência, se destinatário da ordem judicial, e considerando a inexistência de hierarquia, tem o dever de cumpri-la, sob pena da determinação judicial perder sua eficácia.Precedentes da Turma.
Rejeição da denúncia que se afigura imprópria, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal a quo para nova análise acerca da admissibilidade da inicial acusatória.
Recurso especial provido, nos termos do voto do relator.
(REsp 1173226/RO, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011).

Logo, ausente a elementar do tipo penal "ordem legal de funcionário público", atípica é a conduta do paciente, tornando necessário e imperioso o trancamento da ação penal ora em andamento.

Ex positis, e de acordo com o parecer da Douta Procuradoria de Justiça, CONCEDO A ORDEM, DETERMINANDO o Trancamento da Ação Penal n.º 90000-19.2013.8.10.0028, que tramita na Vara Única de Buriticupu, por ausência de justa causa.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 10 de setembro de 2013.



Desembargador RAIMUNDO NONATO MAGALHÃES MELO
Relator
                                   




Diário da Justiça Eletrônico Edição nº 178/2013
Disponibilização: 18/09/2013, Publicação: 19/09/2013

ACÓRDÃO Nº 135642/2013
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
Sessão do dia 10 de setembro de 2013.
HABEAS CORPUS 026181/2013 - BURITICUPU (numeração única: 0005672-82.2013.8.10.0000)
PACIENTE:L.G.A.S.
IMPETRANTE: Carlos Olivar de Faria Júnior
ENQUADRAMENTO: art.330 do CPB
AUTORIDADE COATORA: Juízo de Direito da Única vara de Buriticupu
RELATOR: Desembargador Raimundo Nonato Magalhães Melo
PROCURADOR: Domingas de Jesus Froz Gomes
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA
DE JUSTA CAUSA. 1- A determinação para realização de exame de corpo de delito não consta do rol de atribuições concedidas aos Conselheiros
Tutelares.2- A requisição pelo Conselheiro mostra-se desprovida de legalidade seja formal ou material.3- Conduta atípica. Ausência de justa causa
para ação penal, impondo-se o seu trancamento. 4- No mérito, concedida a ordem para trancar ação penal.
DECISÃO: ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, à
unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em CONCEDER AORDEM, nos termos do voto do Relator.
São Luís, 10 de setembro de 2013.
DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO MAGLHÃES MELO
Relator



[1] Curso de Direito Penal,  Editora Impetus, Vol. IV.

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