Conceito
De
acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o poder de polícia é “a atividade do
Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício
do interesse coletivo”. É o poder conferido ao agente público para limitar,
restringir, frenar o direito de liberdade, propriedade e as atividades das
pessoas, ajustando-as ao interesse coletivo. Ex.: fiscalização do trânsito;
fixação e fiscalização de normas sanitárias para funcionamento de um açougue ou
de limites de barulho produzido por casas noturnas.
Para
Celso Antônio Bandeira de Mello é a “atividade da Administração Pública
expressa em atos normativos (não é lei, mas regulamento) ou concretos, de
condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a
liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora
preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever
de abstenção (“non facere”), a fim de
conformar os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema
normativo” (g.n.)
O
autor citado acredita na essência negativa do poder de polícia, pois este, em
regra, pretende a abstenção do particular, um non facere no sentido de que o poder público não quer a prática dos
atos, e sim evitar que situações sejam efetuadas de maneira perigosa. Ex.:
fazer exame de habilitação para motorista evitaria acidentes; a colocação de
extintores de incêndio nos prédios evitaria maiores riscos. Para alguns
autores, o poder de polícia será positivo quando visar garantir a
obrigatoriedade de atender à função social da propriedade.
Embora
o ordenamento jurídico brasileiro proteja o direito de liberdade e de
propriedade, há que se registrar que se a liberdade e propriedade fossem
ilimitadas haveria o caos, valendo a lei do mais forte, situação inaceitável em
um Estado de Direito. Assim, as pessoas cedem um pouco de sua liberdade e
propriedade em troca de segurança no exercício desses mesmos direitos.
O poder de polícia limita, restringe, mas não aniquila,
não extingue um direito.
Vale
lembrar que o art. 78 do CTN traz interessante conceito de poder de polícia,
quando trata de hipótese de incidência da taxa que pode ser cobrada em face do
exercício do poder de polícia: “Considera-se poder de polícia a atividade da
administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou
liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse
público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina
da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao
respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo
único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado
pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo
legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem
abuso ou desvio de poder”.
Fundamentos
O poder de polícia encontra-se seu fundamento:
a) no dever que a
Administração tem de executar as leis, conforme determina o art. 23, I, da
CRFB: “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas
e conservar o patrimônio público; (...)”.
b) na supremacia do
interesse público sobre o privado
Polícia
administrativa e polícia judiciária
Podemos diferenciar a polícia administrativa da polícia
judiciária pelos seguintes aspectos:
Polícia Administrativa
|
Polícia Judiciária
|
Caráter, em geral, preventivo. Mas pode ser repressivo ou fiscalizador.
|
Caráter, em geral,
repressivo.
|
Exercida
pelas autoridades administrativas e pelas polícias.
|
Exercida pela polícia civil e
militar.
|
Atua sobre bens, direitos e atividades.
|
Atua sobre pessoas.
|
Age
sobre ilícitos administrativos
|
Age sobre ilícitos penais
|
Meios
de atuação
A polícia administrativa atua por meio de :
a) atos concretos: tem um
destinatário específico. Ex.: interdição de restaurante.
b) atos gerais: não tem um
destinatário específico. Ex.: proibição, por regulamento ou portaria, de soltar
balão em festa junina; horário para venda de bebidas alcoólicas fixado por
decreto.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a manifestação do
poder de polícia pode ser a partir de atos:
a) preventivos: autorizações
e licenças as quais a Administração tem a competência de conceder ou não. Ex.:
ato que proíbe venda de bebidas alcoólicas após determinado horário.
b) fiscalizadores:
inspeções, vistorias e exames realizados pela Administração. Ex.: fiscalização
de pesos e medidas.
c) repressivos: multa,
embargo, intervenção de atividade e apreensões. Ex.: fechamento de
estabelecimento por falta de condições de higiene.
Limites
Em sendo o poder de polícia exercitado através de atos
administrativos, os limites destes se encontram presentes naquele. Portanto, o
poder de polícia sempre deverá estar limitado com relação à competência, à
forma e à finalidade. Mesmo no caso do objeto e motivo, embora a Administração
possua algumas discricionariedade, esta deve ser exercida nos limites da lei.
Alguns doutrinadores trazem algumas regras que devem ser
observadas pela Administração para justificar a atividade da polícia
administrativa:
a) necessidade: a
Administração só deve utilizar a medida de polícia para evitar ameaças reais ou
prováveis que violem o interesse da coletividade.
b) proporcionalidade: será
necessário ponderar entre a proteção ao interesse público e a limitação de
liberdade e propriedade individuais. É a aplicação do princípio da
proporcionalidade. Ex.: não é possível apreender toda a edição de uma revista
que, comprovadamente, prejudica apenas uma região onde ela foi distribuída.
c) eficácia: a medida a ser
utilizada deve ser a mais adequada, quantitativa e qualitativamente, para a
tutela do interesse público.
José Cretella Júnior e José Cretella Neto apontam ainda
como limites do poder de polícia os direitos do cidadão, as liberdades públicas
e as prerrogativas individuais assinaladas na Constituição e nas leis.
Atributos
Caracterizam o poder de polícia:
a) discricionariedade;
b) coercibilidade;
c) autoexecutoriedade.
Discricionariedade
Questão frequentemente exigida nos concursos e exames da
OAB, refere-se ao fato de o poder de polícia ser ou não discricionário. A regra
é a presença da discricionariedade, mas temos exceções. Ex.: a polícia
administrativa da construções geralmente encerra poder vinculado, em que a lei
traça objetivamente as normas que o proprietário deve seguir para construir. A
polícia administrativa dos costumes, por outro lado, geralmente é
discricionária, pois o administrador terá margem de liberdade para qualificar
um determinado ato como obsceno ou não, por exemplo.
Coercibilidade
As medidas adotadas pela Administração podem ser impostas
coercitivamente ou administrado. O ato de polícia só é autoexecutório porque
dotado de força coercitiva.
Autoexecutoriedade
Consiste na possibilidade de a Administração executar
diretamente, sem necessidade de prévia autorização judicial, as medidas ou
sanções de polícia administrativa.
Alguns autores dividem este atributo em dois:
a) exigibilidade (privilège du
preálable): é a possibilidade que tem a Administração de tomar
decisões que a dispensam de se dirigir preliminarmente ao juiz para impor a
obrigação ao administrado. Pela exigibilidade a Administração se vale de maios
indiretos de coação. Está presente em todas as medidas de polícia. Ex.:
aplicação de multa; impossibilidade de licenciar veículo sem pagamento das
multas de trânsito.
b) executoriedade (privilège d’action d’office): após a
tomada da decisão, é a faculdade que tem a Administração de realizar
diretamente a execução forçada. Por este atributo a Administração compele
materialmente o administrado, através de meios diretos de coação. Não está
presente em todas as medidas de polícia. Ex.: apreensão de mercadorias,
interdição de estabelecimento.
A executoriedade poderá ser utilizada nos seguintes
casos:
a) quando a lei
expressamente autorizar (ex.: nos casos de lotação clandestina, a lei,
frequentemente, permite à Administração apreender o veículo que transportava
passageiros).
b) quando a adoção da medida
for urgente para a defesa do interesse público e não comportar espera para
manifestação do Poder Judiciário,
Exceção à executoriedade do poder de polícia é a
cobrançade multas impostas e não pagas. Neste caso, a execução somente pode ser
efetivada pela via judicial. Mas temos a exceção da exceção: multa
administrativa aplicada por adimplemento irregular, pelo particular, de
contrato administrativo em que tenha havido prestação de garantia (art. 80,
III, da Lei 8.666/93). Neste último caso, embora se trate de multa, a
Administração pode executar diretamente a penalidade.
Competência
O poder de polícia é exercido por todas as esferas da
Federação, tanto da Administração direta quanto da indireta, de acordo com o
princípio da predominância do interesse, conforme decidido pelo STF na ADIn
2.327-SP (rel. Min Gilmar Mendes, DJU 22. 08.2003) Ex.: assuntos de interesse
nacional são da competência da União (ex.: mercado de títulos e valores);
assuntos de interesse regional são da competência dos Estados (Ex.: prevenção
de incêndios); assuntos de interesse local pertencem ao Município (Ex.: uso e
ocupação do solo urbano). Ratificando o exposto, a súmula 645 do STF traz a
seguinte determinação: “É competente o município para fixar o horário de
funcionamento de estabelecimento comercial”.
O
poder de polícia é denominado originário quando exercido diretamente
pelos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), por meio
de suas respectivas administrações diretas, e delegado, quando os entes
federados outorgam por lei poder de polícia a entidades de direito público
integrantes de sua administração indireta.
Convém aqui consignar que o poder de polícia provém
privativamente da autoridade pública. Não é permitida a delegação ao particular
nem a prestadores de serviços porque o poder de império é próprio e privativo
do poder público. Ao particular somente é possível ser credenciado para
contribuir materialmente com o poder de polícia, como no caso de empresa que
controla radares fotográficos de trânsito, em que a declaração de vontade será,
ao final, de autoridade pública, a qual, com base nesses elementos materiais,
poderá aplicar ou não uma multa.
Ratificando esta posição temos decisão do STF na ADIn
1.717-DF (rel. Min. Sydney Sanches, DJU 7.11.2002), que, apreciando o mérito de
ação direta ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B, pelo Partido
dos trabalhadores – PT e pelo Partido democrático Trabalhista – PDT, julgou
procedente o pedido formulado na ação para declarar a inconstitucionalidade do
art. 58, caput e §§1º, 2°, 4°, 5° 6°, 7° e 8°, da Lei 9.649/98, que previam delegação
de poder público para o exercício, em caráter privado, dos serviços de
fiscalização de profissões regulamentadas, mediante autorização legislativa.
Reconheceu-se a inconstitucionalidade dos dispositivos atacados, uma vez que o
mencionado serviço de fiscalização constitui atividade típica do Estado,
envolvendo, também, poder de polícia, poder de tributar e de punir,
insuscetível de delegação a entidades privadas.
No
entanto, embora não se possa cogitar da delegação do exercício do poder de
polícia administrativa ao particular, uma vez que tal é prerrogativa específica
da Administração, é possível identificar situações em que a atividade de um
particular, na prestação de serviço delegado, pode decidir de modo reflexo
quanto à produção do ato da Administração. Ex.: exame médico para concessão de
licença para dirigir veículos automotores que é feita por particular e cujo
laudo irá influenciar na concessão ou não da própria licença.
Hely
Lopes Meirelles defende a tese de que é competente para data medida de polícia
administrativa quem for competente para legislar sobre a matéria, ressalvada a
competência dos Estados e dos Municípios para suplementar a legislação federal
e a competência concorrente.
Finalizando, podemos recordar mais duas Súmulas:
a) Súmula 19, STJ: “A
fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é de competência da
União”.
b) Súmula 646, STF: “Ofende
o princípio da livre concorrência lei municipais que impede a instalação de
estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”.
Sanções
e prazo dede prescrição
As sanções impostas pela polícia administrativa devem ser
aplicadas com observância do devido processo legal, conforme dispôs claramente
o STF no RE 153.540/SP (2.ª T., rel. Min. Marco Aurélio, DJ 15.09.1995).
Podemos elencar como tipos de sanções do poder de polícia
a multa, a interdição de atividade, o fechamento de estabelecimento, a
demolição de construção irregular, o embargo administrativo de obra, a
inutilização de gêneros, a apreensão e destruição de objetos.
De acordo com o art. 1°da Lei 9.873/99, prescreve em
cinco anos a “ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e
indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à
legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração
permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado”.
O
poder de polícia é um poder político? Sim, o poder de polícia pode receber esse
adjetivo de político em razão de ser aplicado pela própria Administração
Pública sem qualquer interferência do Poder Judiciário. Assim, em função de seu
atributo da autoexecutoriedade, pode, sim, ser considerado coo político, além
de atuar segundo critérios discricionários, o que também caracteriza um poder
político.
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